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quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Faltou a população fazer sua parte



Passado o episódio da votação de admissibilidade da denúncia contra o presidente Michel Temer por corrupção, cabe uma análise criteriosa sem influência do calor dos fatos relativos à sessão na Câmara Federal. Perdura o questionamento: por que o presidente saiu ganhador no embate legislativo, quando evidências e provas eram-lhe desfavoráveis? A resposta tem muitas variantes e argumentos. Sabidamente, aconteceu o que é costumeiro acontecer, houve a manobra política do governo com distribuição de benesses, inclusive liberação de emendas orçamentárias, na ‘undécima hora’, a parlamentares negocistas.

Todos os argumentos tentando justificar o resultado do episódio são aceitáveis, todavia no meu entendimento o elemento decisivo foi o desinteresse da sociedade que mesmo com algum grau de indignação diante dos fatos permaneceu alheia ao ponto central da questão. Acredito que se houvesse mobilização e vigorosa tomada de posição o desfecho seria outro. É bom recordar casos anteriores na nossa história política. Quando o então presidente Fernando Collor enfrentou processo de cassação e mais recentemente no impeachment de Dilma Rousseff o povo foi para as ruas, mobilizou a opinião pública e exerceu legítima pressão. No caso atual a denúncia e as provas apresentadas mostravam ser a situação de Michel Temer tão ou mais grave do que nos exemplos citados.

Temer estava mais complicado (e ainda não se encontra totalmente a salvo, há expectativa de que nova denúncia poderá ser apresentada), havia entendimento generalizado de que teria de ser punido, tanto que o governo mobilizou todas as forças disponíveis para neutralizar o processo, o que resolveu, o presidente acabou poupado, mas ficou o sentimento de frustração.
A pergunta é “por que o povo não saiu às ruas”? A conclusão pode ser preocupante: estará o povo desiludido, descrente de mudanças que possam recuperar a decência política?

Claro está que o desfecho da votação foi favorecido pelo próprio processo político, pois a oposição (leia-se PT e seus aliados) não foi enfática, preferindo prolongar o desgaste do presidente, certamente antevendo o pleito de 2018. Exponenciais lideranças empresariais igualmente se mantiveram distantes, assim como setores que concentram notórios formadores de opinião.

O fator decisivo em favor de Temer foi a ausência do povo nas ruas. A pressão popular funciona mesmo, tem força, pois os políticos, especialmente deputados, no caso, tomam cuidado em não contrariar a vontade popular. Muito provavelmente, se os brasileiros fossem às ruas a maioria dos deputados teria votado diferente. A apatia popular sinaliza para algo preocupante porque a descrença ou acomodação não ajudará em nada nas mudanças, principalmente éticas, que o país carece.

Politicamente as coisas se aquietaram e o governo está tentando implementar as reformas estruturais, portanto tem seus méritos. Porém, uma administração adequada não isenta nenhum governante de sofrer sanções quando cometer erros, notadamente se estiverem ligados a crimes como corrupção. No caso em foco, por justiça Michel Temer deveria ser condenado, julgamento que leva em consideração a boa gestão em detrimento da lisura e da decência é completamente errado. Acredito que se o povo houvesse se conscientizado disso teria se manifestado com vigor. Se a voz da sociedade se calar podem acontecer coisas piores.

Para evitar que isso aconteça o povo tem de ter pleno convencimento do peso de sua participação e da força de sua pressão. Grandes mudanças e importantes correções de rumos aconteceram a partir do engajamento popular, afinal, uma das definições da democracia é ‘governo do povo, pelo povo e para o povo’.





Luiz Carlos Borges da Silveira - empresário, médico e professor. Foi Ministro da Saúde e Deputado Federal. 






A Reforma Trabalhista nas relações com empregados com nível superior e altos salários



A chamada Reforma Trabalhista (“Nova CLT”) trouxe diversas mudanças que certamente impactarão nas relações de trabalho existentes, criando novas formas de atuação e proporcionando uma maior flexibilidade nas condições e rotinas vivenciadas no dia a dia das empresas.

Dentre as inúmeras novidades instituídas pela Nova CLT e que certamente ensejarão reflexos nas relações de empregados normalmente ocupantes de cargos de confiança e/ou estratégicos, está a possibilidade de negociação direta, sem interferência ou necessidade de validação do Sindicato, de diversos assuntos relacionados ao cotidiano da relação de emprego.

A Nova CLT autoriza os empregados que possuem diploma em nível superior e salário igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios pagos pelo INSS, a pactuar condições diretamente com o seu empregador, desde que tais condições não contrariem as disposições de proteção ao trabalho.

Nitidamente percebe-se que a Nova CLT elevou o patamar desse rol seleto de empregados a uma nova situação, na qual sua exposição e poder de negociação junto ao empregador tornam-se muito maiores.

Trata-se, a nosso ver, de evolução nas relações atualmente existentes, ajustando divergências da legislação provenientes da realidade de outra época aos padrões atuais e às características de sua função.

Outro novo ponto trazido pela Nova CLT para este nível de empregados é a possibilidade de resolução de eventuais conflitos mediante arbitragem. Esta situação será válida desde que pactuado por escrito, por iniciativa e concordância expressa do empregado. 

A possibilidade de remeter a solução de eventuais conflitos à arbitragem representa, sem dúvida, um avanço e acarretará maior segurança à todos envolvidos, pois seguirá por um caminho processual definido pelas partes, permitirá, por exemplo, a escolha de árbitros que tenham experiência com o objeto daquela demanda e garantirá um julgamento mais célere, mais ajustado às peculiaridades do caso concreto e com total sigilo.

Vale ressaltar que até o momento a utilização da arbitragem como solução alternativa de conflito era terminantemente afastada pelo Tribunal Superior do Trabalho (“TST”), sendo curioso observar a aplicação deste moderno instituto diante da nova legislação, pois certamente será alvo de discussões jurídicas quanto à sua validade plena e eficácia.

Sem prejuízo da potencial judicialização desta questão, nota-se com os exemplos acima que a modernização na legislação exigirá das empresas um olhar especial para este nível de empregado – com nível superior e salário igual ou maior que duas vezes o teto do INSS - pois abre-se a oportunidade de ajustar diversas condições e detalhes da rotina de trabalho, com a concordância do empregado, mediante acordos individuais, adequando características implícitas nos maiores cargos da empresa, muitas vezes lastreadas na confiança e em necessidades estratégias da companhia.






Luiz Fernando Alouche e Rodrigo Rosalem Senese - responsável e integrante na área trabalhista do IWRCF Advogados




O risco de uma reforma política



“O Brasil precisa de uma reforma política”. Costumeiramente esta frase de efeito conquista plateias, como um mantra uníssono entoado por especialistas e nem tanto, uma resposta pronta para dirimir os males que acometem o país. Existe a sensação de que a crise hoje experimentada poderá ser ultrapassada apenas e tão somente a propalada e enigmática “reforma política”. Ficam as questões: qual reforma política, quem as fará e será que realmente ela é essencial?

Já tivemos eleições financiadas com recursos públicos, privados, misto, com empresa, sem empresa. Neste último ciclo, as eleições foram financiadas por parte de recursos públicos (fundo partidário e contrapartidas das isenções tributárias para as emissoras de rádio e TV) e parte privado (doação por pessoas físicas), vedada a colaboração de empresas. Não tivemos nem tempo de testar esta solução, e já apontam que o “ideal” seria a doação 100% estatal. Veja, o fundo partidário anual saltou nos últimos períodos de R$ 319 milhões para R$ 900 mi, e existem vozes de coalizações partidárias dominantes que querem elevá-la a R$ 3,5 bi. Será oportuno que o contribuinte brasileiro tenha mais esta despesa? Será tal a saída a evitar distorções, abusos do poder econômico ou corrupção? As dúvidas e os revezes parecem dominar as propaladas vantagens.

Outro reclamo se dá quanto a obrigatoriedade do voto. O fosso da representatividade (“eles não nos representam”) poderia ser incrementado com o fim do voto obrigatório (que não é tão obrigatório no país, pois cabem largas justificativas ou irrisórias multas), na medida em que uma parcela ainda inferior da população (democracias evoluídas indicam a participação de menos da metade dos eleitores) escolheria todos os mandatários.  

Será possível diminuir o número de partidos? A Constituição não permite e sequer pode ser alterada neste ponto. Então limitar o seu funcionamento, acesso a fundo partidário e tempo de TV? Do que adiantaria se tivermos 7 ou 10 partidos com efetiva participação, se persistir a cooptação por emendas parlamentares ou o direito a indicações de cargos no Executivo?

Então, o ideal, segundo apregoam, seria acabar com o sistema proporcional, substituindo-o pelo majoritário (distrital ou distrital misto), para escolha dos parlamentares. Novamente, um beco sem saída. Na França se discute que o sistema proporcional poderia favorecer o pluralismo e diversidade das forças políticas, o que nem sempre é refletida noutros modelos. Não existe uma solução segura e decisivamente mais adequada. Nem lá, nem cá.

O debate sobre reforma política precisa ser feito e talvez a melhor conclusão seja que neste momento o melhor é nada fazer. Quem garante que a próxima reforma político-eleitoral não será capaz de agudizar ainda mais a crise instalada? Mesmo lugares comuns, como a limitação das coligações partidárias e instituição de cláusula de barreira seriam motivos suficientes para abrir a caixa de pandora para introjeção de cavalos de troia.

A adoção de respostas legislativas como mecanismos conducentes à busca de melhorias no comportamento e participação do eleitor podem não ser a alternativa indicada. A prescrição de que reformas político-eleitorais sejam efetivamente a resposta correta à crise da representação política e da apatia eleitoral podem redundar no afunilamento e na volta da crise já instalada, ante a ineficiência da via eleita para salvaguardar os problemas que não mereçam, essencialmente, reparos jurídicos.

Se é para frisar uma frase feita, fico com “o inferno são os outros” de Jean Paul Sartre. A dificuldade imensa para lidar com as nossas idiossincrasias, com nossas más escolhas políticas ou trejeitos patrimonialistas precisa ser superada, refletida, amadurecida e restaurada. O outro não é o culpado pelas (nossas) faltas éticas. A alteridade esperada pelo povo ao demandar uma reforma política talvez não seja correspondida, quiçá até subvertida por aqueles que hoje possuem o poder e num senso de autoproteção, mudem tudo de um jeito que nada saía do lugar.






Luiz Eugênio Scarpino Junior - Advogado, Professor e Mestre em Direito, com destaque nas áreas Pública e Eleitoral. Atua há mais de uma década na defesa direta de políticos, em todas as esferas, além da organização de contratos e interesses de empresas de atuação no setor público.  Coordenador da Comissão de Direito Eleitoral da OAB – regional Ribeirão Preto -, integra ainda a Comissão de Direito Eleitoral da OAB de São Paulo. Com vasto conhecimento acadêmico, é autor de livros e artigos em Direito Eleitoral, Administrativo, como o bestseller "Sérgio Moro: O homem, o juiz e o Brasil" (ed. Novo Conceito) e Moralidade Eleitoral (Lumen Juris). 




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