Durante duas décadas falei quase sozinho
na imprensa gaúcha contra o amplo leque de males que iam entregando a sociedade
como prato feito nas mãos da criminalidade. Perdi a conta das vezes em que fui
acusado de ignorar a causa que seria determinante da insegurança em que vivemos
– a desigualdade social, “mãe de todas das injustiças”. Como se fosse! Como se
nessa afirmação não gritasse tão alto o preconceito! Como se os arautos da
afetada justiça social não vissem a miséria e a desesperança nos olhos de
cubanos e venezuelanos! Mesmo assim cultivam, como manifestações da almejada
luta de classes, a violência e a insegurança, que não têm ideologia e não
poupam classe social. Aliás, ninguém se protege tão bem da insegurança quanto
os mais abastados e poderosos; ninguém é tão vulnerável a ela quanto os mais
pobres.
O leitor atento destas linhas já deve
ter percebido o quanto é velha e ideológica tal conversa. O que talvez não lhe
tenha chamado a atenção é seu pacote de consequências. As pessoas que
escrutinam a situação da segurança pública com lentes dessa ideologia jamais
saíram em defesa da atividade policial; jamais se importaram com o fato de as
demasias do ECA haverem convertido em plantel de recrutamento da criminalidade
aqueles a quem se propunha proteger;
jamais se empenharam na construção de um único presídio; jamais se
interessaram pelo sistema penitenciário que não fosse para reclamar das más
condições proporcionadas aos infelizes apenados; jamais proferiram palavra que
fosse contra o generoso sistema recursal do Direito brasileiro; jamais se
interessaram em agravar as penas dos crimes que aterrorizam a população; jamais
olharam, sequer de soslaio, para o sofrimento das vítimas; e jamais levaram a
mão ao próprio bolso para promover a justiça social que almejam produzir com os
haveres alheios. Hipócritas! O único Direito Penal de seu interesse seria um
que incidisse sobre os corruptos do partido adversário. Ou que levasse ao
paredão quantos contrariassem seus conceitos de “politicamente correto” – uma
almejada forma de “Direito” em que se fundaria, na escassez de outra, sua
suposta supremacia moral.
O país foi sendo tragado pela ideologia
que passou a reinar no mundo acadêmico. Através dos cursos de Direito, ela foi
estropiando as carreiras de Estado, chegou aos tribunais e ganhou cadeiras no
STF, onde a impunidade edificou seu baluarte e é servida com luvas brancas. Nos
andares de baixo, age o esquerdismo da política partidária e do jornalismo
engajado, mais tosco, unhas encardidas pelas manipulações, mistificações,
ocultações, e versões, preparando a violência engelsiana, almejada “parteira da
história”.
Mesmo assim, não estaríamos tão mal se
ainda resistissem na cultura nacional alguns valores morais e algumas
instituições a merecer acatamento e respeito. Falo das atualmente superadas e
irrelevantes igrejas; falo da instituição familiar e da autoridade paterna;
falo da autoridade do professor, da direção da escola, do policial; falo da
experiência e sabedoria dos idosos. Mas tudo isso caiu por obra e desgraça da
mesma agenda revolucionária, da zoeira, da vadiagem, da perversão em capítulos
diários servida nas novelas da Globo, da ignorância transformada em nova
cultura e forma de saber. E, claro, da revolucionária resistência a toda ordem
e disciplina.
Amargo, eu? Amarga é a colheita desse
plantio! Amargo é ver o Rio de Janeiro agonizante, sob intervenção, e saber que
todos estamos contidos, a distâncias diferentes, no mesmo horizonte. Que é tudo
questão de tempo. Amargo é saber que absolutamente nada do que escrevi aqui e
denuncio bem antes de que pudesse produzir os atuais efeitos, será enfrentado e
alterado. É saber que toda eventual mobilização social trombará nos paredões
ideológicos que nos sitiaram no mundo acadêmico, nos meios de comunicação, no
Poder Judiciário e no Congresso Nacional.
Nota do autor: Aos 60 anos da revolução cubana, estou ultimando uma nova
edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará
disponível nos próximos meses.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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