A
impunidade estimula a existência de delitos, vícios e corrupção. Não obstante,
ainda que seja uma verdade inconteste, no Brasil falta a punição exemplar. Por
consequência, várias setores no país, entre eles o da saúde, correm sério
perigo.
A
má gestão de recursos, fraudes constantemente anunciadas pela mídia e a atuação
de criminosos de branco deixam a vida do brasileiro por um fio e comprometem a
confiança do paciente no Sistema de Saúde. Além do agravamento da crise da
febre amarela, que tem provocado filas quilométricas em postos de saúde e até a
falsificação de vacinas, destaca-se um novo escândalo que alarmou os
profissionais do setor: a reutilização de equipamentos e materiais médicos
descartáveis.
Uma
matéria especial do programa dominical Fantástico revelou que um quadrilha
atuava(ou atua ainda) no estado do Espírito Santo. Empresas, funcionários de
hospitais e médicos fazem parte da rede criminosa que colocava pacientes e
profissionais em risco de vida diário. Na verdade, a maioria dos materiais
deveria ser jogado no lixo. Outros, deveriam ser esterilizados e
reprocessados dentro de normas rígidas.
Empresas
estavam reutilizando produtos descartáveis, o que é proibido e
inadmissível. A quadrilha usava esse expediente para ter um preço de mercado
abaixo da concorrência. Um crime que pode ter tirado vidas e provocado uma
série de problemas graves de saúde como infecções, cirurgias mal sucedidas,
entre outros.
A
norma brasileira é clara em relação à proibição do reuso. Produtos de uso único
(descartáveis) e produtos com rótulo "Proibido Reprocessar" não podem
em nenhuma circunstância passar por qualquer processo de reutilização. Mas
alguns criminosos insistem em atuar no mercado sem seguir essas recomendações e
colocando vidas e até carreiras de profissionais da saúde em risco. Ou
seja, no Espírito Santo e possivelmente em outros estados do Brasil, vive-se
uma roleta-russa em relação aos materiais e equipamentos utilizados em
cirurgias.
O
Senado está discutindo um projeto de lei que estabelece que empresas que
reprocessam materiais de uso único poderão ser até fechadas – a ideia é a de
endurecer as penalidades. De acordo com o autor da proposta, senado Telmário
Mota, a Resolução 156 de 2016, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), que trata do tema, já seria insuficiente.
Tal
resolução que regulamenta o reaproveitamento de equipamentos, aparelhos,
materiais, artigos ou sistemas de uso ou aplicação médica, odontológica ou
laboratorial, determina quais produtos podem ser reprocessados e reutilizados e
os procedimentos empregados após limpeza, desinfecção e esterilização.
Mas, apesar da regra existir desde 2006, não vem sendo respeitada. O projeto
pretende assegurar que a reutilização de produtos de uso único torne-se uma
infração sanitária legalmente estabelecida, sendo passível das penalidades
previstas na Lei 6.437/1977.
As
sanções estabelecidas no projeto para esse tipo de infração são advertência,
multa, interdição total ou parcial do estabelecimento e cancelamento de
autorização para funcionamento da empresa. Vale ressaltar que, em paralelo, os
envolvidos responderão criminalmente, pois neste caso se pratica um crime
contra a saúde pública, além de danos morais, materiais e estéticos para os
pacientes, possíveis de serem requeridos na esfera cível.
Ainda
que haja a regulamentação da atividade e a previsão de penalidade, pessoas
acham que jamais serão descobertas e estão há anos ganhando dinheiro de
forma ilícita. Desta forma, fácil concluir que o problema não será resolvido
com um nova lei, mas sim com o aumentos de fiscalização e com a punição efetiva
naqueles casos em que tais práticas forem constatadas.
Não
é o primeiro escândalo anunciado pela mídia, o que faz pensar que a
sociedade e as autoridades sabem da prática dessas fraudes. Em 2017, o
Hospital das Clínicas em São Paulo foi acusado de usar agulhas e fios sujos,
usados e vencidos – não há notícias das efetivas punições dos envolvidos. Há
época, falou-se no desvio de 18 milhões em 5 anos – dinheiro que deveria ser
utilizado para compra de novos materiais.
Também
não se afasta do manto da criminalidade, o uso de próteses em procedimentos
cirúrgicos cardiológicos e ortopédicos, sem que haja indicação para tal.
Materiais importados dos EUA e reutilizados em nosso país. Enfim, casos não
faltam...
O apelo é
para que as autoridades realizem um verdadeiro pente-fino para fiscalizar os
materiais e equipamentos médicos que estão sendo utilizados nos hospitais e
clínicas brasileiros. Não somente as autoridades, mas também os diretores
clínicos, diretores técnicos, que não podem fechar os olhos. São necessárias
medidas imediatas. Chega de assistir a esses relatos e denúncias de forma
passiva.
Sandra
Franco - consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde,
presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, presidente da
Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São
José dos Campos (SP), membro do Comitê de Ética da UNESP para pesquisa em seres
humanos e Doutoranda em Saúde Pública.
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