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quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Poluição provocada por incidentes com navios petroleiros



Pesquisa da Unesp avalia responsabilidades em acordos internacionais

 

Em agosto deste ano, o Kuwait continha um derramamento de petróleo truculento nas águas do sul do país e limpava partes contaminadas da costa. Esta catástrofe ambiental, entre outros casos de vazamento de óleo, sempre foram motivos para a pesquisadora Ana Carolina Carlucci da Silva questionar: 

Quem vai pagar a conta?

“Em um primeiro momento, a responsabilidade pelo vazamento do petróleo é do dono do navio”, afirma Ana Carolina, que após extensa pesquisa, apresentou a dissertação de mestrado Responsabilidade civil internacional e compensação nos casos de poluição por derramamento de petróleo no transporte marítimo por navios, orientada pela professora Jete Jane Fiorati e defendida em maio deste ano, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Unesp de Franca.

A pesquisadora explica que para falar de sua pesquisa precisa primeiro apresentar quatro convenções internacionais: acordos que determinam a responsabilidade e a compensação financeira nos casos em que ocorram derramamento de óleo no mar, provocando poluição ambiental.

Os acordos são: Convenção de Bruxelas, de 1969; Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1992; Convenção Internacional para o Estabelecimento de um Fundo para Compensação de Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1992, e, Protocolo para Fundo Suplementar de 2003.

O conjunto destas convenções formam o regime internacional, objeto de estudo da advogada, que analisou se este regime é satisfatório, se as regras são falhas ou se podem melhorar.  

Segundo ela, o regime foi sendo construído nos últimos 50 anos, conforme os acidentes ocorriam. “Novas ocorrências levantavam questões e desafios que permitiam avaliar se a regulamentação existente era satisfatória”, explica. Ela específica que este regime se aplica somente nos casos de derramamento de óleo persistente, como o petróleo bruto, óleo combustível e óleo diesel pesado, e não inclui óleo não persistente, como diesel leve e gasolina.  

“Trata daqueles navios tipicamente chamados de petroleiros. Já os navios de turismo, que derramam petróleo ou derivados no mar, ou as plataformas fixas de exploração de petróleo, não fazem parte do regime”.  


Reparação pelos danos

O primeiro grande passo na construção do regime internacional ocorreu em decorrência do acidente do superpetroleiro Torrey Canyon, em 1967, considerado, na época, o mais danoso e o mais caro da história.  

O navio, naufragado, derramou 118 mil toneladas de petróleo cru nas águas do Mar do Norte, que atingiram a costa do Reino Unido. Alarmado com o desastre, o governo britânico para atenuar as consequências do acidente, bombardeou o navio para queimar o petróleo remanescente e afundar a embarcação. O resultado foi a destruição da vida marinha e prejuízos inestimáveis.

Em 1969, dois anos depois do acidente, foi acordada pela primeira vez uma convenção. “Ela estabeleceu que a responsabilidade é do dono do navio e determinou um máximo a ser pago a fim de indenizar as vítimas dos danos”.

Com a ocorrência de novos acidentes, entre eles o Exxon Valdez, no Alasca, em 1989, foi revelado que o regime precisava evoluir pois “nem sempre o dono do navio conseguia bancar todas as despesas”, conta a pesquisadora. Assim, em 1992 foram acordadas duas novas convenções, tendo como base a de 1969.
Para estes novos acordos foram incluídos um limite de indenização para as vítimas bem maior do que era antes: de 63 milhões de reais foi para aproximadamente 403 milhões de reais. Um outro ponto, é que o fundo financeiro criado não é mais financiado pelo dono do navio e sim pelos importadores de petróleo, que pagam uma contribuição proporcional ao volume de petróleo recebido em um país signatário.

“Com as novas regras, no caso de prejuízo financeiro, quem primeiro paga é dono do navio. Caso todas as despesas ainda não sejam cobertas, o fundo será acionado”, explica Ana Carolina.


Os problemas continuam

Em 1999 e 2002 ocorreram mais dois grandes acidentes, os casos Erika e Prestige. O navio petroleiro Erika naufragou na costa da França, perto da Espanha, ocasionando o derramamento de quase 20 mil toneladas de óleo pesado. O limite de indenização disponível pelo fundo de 1992 simplesmente foi ultrapassado, “o que fez reabrir as discussões novamente sobre mudanças no regime, com a proposta de criação de um novo fundo complementar”.

Neste momento, ocorreu o acidente com o cargueiro Prestige, novamente na Europa, que derramou mais de 63 mil toneladas de petróleo pesado, poluindo áreas da França, Espanha e Portugal. O incidente gerou um número enorme de pedidos, desde demandas por danos à propriedade e gastos com limpeza até prejuízos no turismo e nas atividades de pesca. “O resultado é que muitas vítimas não chegaram a ser compensadas pelos danos”, reforça.

Nos dois casos, o montante agregado de pedidos pelos danos excedeu o limite de indenização previsto, de forma que a criação de um novo fundo foi necessário, conta a advogada.

Em 2003, foi acordado um protocolo criando um fundo suplementar, com limite de compensação ampliado para mais de dois trilhões de reais. “Hoje, esse protocolo compõe o mais alto grau de proteção oferecido pelo regime internacional para os casos de poluição por petróleo”, reforça. Até o momento não precisou ser acionado.


Navegando pelo regime internacional

“Atualmente, o regime internacional é robusto e de extrema relevância, pois criou mecanismos para lidar com os acidentes e suas consequências, compensando as vítimas, inclusive com o estabelecimento de fundos específicos para esse fim”, conta Ana Carolina.

Segundo ela, um dos pontos que comprova o sucesso do regime é o número expressivo de países signatários das convenções: são 137 Estados. O regime também teve impacto preventivo. Desde a década de setenta houve queda no número de acidentes e diminuição da gravidade dos acidentes. “Para se ter uma ideia, em 1970, o número médio de grandes acidentes era de 24,5 por ano. Atualmente, é de apenas 1,7 por ano”, diz.

Outro dado importante é que no ano de 1980, foram derramadas mais de 600 mil toneladas de petróleo no mar. Em 2015, sete mil toneladas.

“É um regime em evolução, isto é, as convenções vêm se aperfeiçoando conforme a percepção de que as regras são insuficientes ou falhas e, então, novas propostas são trazidas, discutidas e levam (ou não) a mudanças no regime. Essa é a dinâmica do regime que deve ser mantida. Não se pode deixá-lo estático”, afirma.


E o Brasil...

O Brasil é signatário somente da convenção de responsabilidade de 1969, considerada “regime velho”. Caso ocorra algum problema no território brasileiro, somente será aplicada a convenção de 1969, que apresenta regras ultrapassadas, limite para indenização baixo e nenhum fundo para dar garantia.
“O Brasil não faz parte e não pode acionar o fundo. Em casos de poluição no Brasil, serão aplicadas as leis internas nacionais”. A maior parte dos países do mundo com saída para o mar é signatária das convenções mais recentes, inclusive a Argentina, Uruguai, Venezuela e Colômbia.  

“Considerando que o Brasil possui uma vasta área costeira marítima e é um dos maiores exploradores de petróleo do mundo, seria interessante averiguar as vantagens oferecidas pelo regime em relação à proteção atualmente conferida pelas leis nacionais”, finaliza.





Maristela Garmes

Fonte: www.unesp.br/ 





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