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quarta-feira, 23 de agosto de 2017

O risco de uma reforma política



“O Brasil precisa de uma reforma política”. Costumeiramente esta frase de efeito conquista plateias, como um mantra uníssono entoado por especialistas e nem tanto, uma resposta pronta para dirimir os males que acometem o país. Existe a sensação de que a crise hoje experimentada poderá ser ultrapassada apenas e tão somente a propalada e enigmática “reforma política”. Ficam as questões: qual reforma política, quem as fará e será que realmente ela é essencial?

Já tivemos eleições financiadas com recursos públicos, privados, misto, com empresa, sem empresa. Neste último ciclo, as eleições foram financiadas por parte de recursos públicos (fundo partidário e contrapartidas das isenções tributárias para as emissoras de rádio e TV) e parte privado (doação por pessoas físicas), vedada a colaboração de empresas. Não tivemos nem tempo de testar esta solução, e já apontam que o “ideal” seria a doação 100% estatal. Veja, o fundo partidário anual saltou nos últimos períodos de R$ 319 milhões para R$ 900 mi, e existem vozes de coalizações partidárias dominantes que querem elevá-la a R$ 3,5 bi. Será oportuno que o contribuinte brasileiro tenha mais esta despesa? Será tal a saída a evitar distorções, abusos do poder econômico ou corrupção? As dúvidas e os revezes parecem dominar as propaladas vantagens.

Outro reclamo se dá quanto a obrigatoriedade do voto. O fosso da representatividade (“eles não nos representam”) poderia ser incrementado com o fim do voto obrigatório (que não é tão obrigatório no país, pois cabem largas justificativas ou irrisórias multas), na medida em que uma parcela ainda inferior da população (democracias evoluídas indicam a participação de menos da metade dos eleitores) escolheria todos os mandatários.  

Será possível diminuir o número de partidos? A Constituição não permite e sequer pode ser alterada neste ponto. Então limitar o seu funcionamento, acesso a fundo partidário e tempo de TV? Do que adiantaria se tivermos 7 ou 10 partidos com efetiva participação, se persistir a cooptação por emendas parlamentares ou o direito a indicações de cargos no Executivo?

Então, o ideal, segundo apregoam, seria acabar com o sistema proporcional, substituindo-o pelo majoritário (distrital ou distrital misto), para escolha dos parlamentares. Novamente, um beco sem saída. Na França se discute que o sistema proporcional poderia favorecer o pluralismo e diversidade das forças políticas, o que nem sempre é refletida noutros modelos. Não existe uma solução segura e decisivamente mais adequada. Nem lá, nem cá.

O debate sobre reforma política precisa ser feito e talvez a melhor conclusão seja que neste momento o melhor é nada fazer. Quem garante que a próxima reforma político-eleitoral não será capaz de agudizar ainda mais a crise instalada? Mesmo lugares comuns, como a limitação das coligações partidárias e instituição de cláusula de barreira seriam motivos suficientes para abrir a caixa de pandora para introjeção de cavalos de troia.

A adoção de respostas legislativas como mecanismos conducentes à busca de melhorias no comportamento e participação do eleitor podem não ser a alternativa indicada. A prescrição de que reformas político-eleitorais sejam efetivamente a resposta correta à crise da representação política e da apatia eleitoral podem redundar no afunilamento e na volta da crise já instalada, ante a ineficiência da via eleita para salvaguardar os problemas que não mereçam, essencialmente, reparos jurídicos.

Se é para frisar uma frase feita, fico com “o inferno são os outros” de Jean Paul Sartre. A dificuldade imensa para lidar com as nossas idiossincrasias, com nossas más escolhas políticas ou trejeitos patrimonialistas precisa ser superada, refletida, amadurecida e restaurada. O outro não é o culpado pelas (nossas) faltas éticas. A alteridade esperada pelo povo ao demandar uma reforma política talvez não seja correspondida, quiçá até subvertida por aqueles que hoje possuem o poder e num senso de autoproteção, mudem tudo de um jeito que nada saía do lugar.






Luiz Eugênio Scarpino Junior - Advogado, Professor e Mestre em Direito, com destaque nas áreas Pública e Eleitoral. Atua há mais de uma década na defesa direta de políticos, em todas as esferas, além da organização de contratos e interesses de empresas de atuação no setor público.  Coordenador da Comissão de Direito Eleitoral da OAB – regional Ribeirão Preto -, integra ainda a Comissão de Direito Eleitoral da OAB de São Paulo. Com vasto conhecimento acadêmico, é autor de livros e artigos em Direito Eleitoral, Administrativo, como o bestseller "Sérgio Moro: O homem, o juiz e o Brasil" (ed. Novo Conceito) e Moralidade Eleitoral (Lumen Juris). 




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