Recentemente, pesquisadores da Universidade da
Flórida extraíram dados dos prontuários eletrônicos relacionados a um grupo de
pacientes que cometeram tentativas de suicídio. Com base em técnicas avançadas
de análises de dados e aprendizagem de máquina (machine learning,) foi
possível identificar, por meio da combinação de fatores, pessoas com
tendências a cometerem suicídio.
Este tipo de modelagem preditiva não é novo, porém
as funcionalidades, que permitem que uma máquina reconheça complexas interações
entre variáveis e resultados que possam interessar, avançaram muito nos últimos
anos. Além de analisar grandes volumes de dados, a tecnologia permite ler e
interpretar textos livres, como por exemplo, uma nota ditada pelo médico, e
combinar múltiplas fontes de informação para promover previsões avançadas.
Utilizando o conceito de machine learning, esses sistemas são
desenvolvidos para aprenderem sozinhos e serem continuamente aprimorados à
medida que ganham experiência com base nas suas próprias descobertas e
mensurações. Os resultados, por sua vez, dão origem a informações oportunas que
excedem a capacidade dos seres humanos.
Desta forma, os algoritmos de aprendizagem de
máquina desenvolvidos pelos pesquisadores da Universidade da Flórida são
capazes de prever tentativas de suicídio com 80 a 90% de precisão, até dois
anos antes. Outras instituições estão desenvolvendo abordagens similares para
uma série de outras predisposições, como depressão, insuficiência e ataques
cardíacos, demência, doenças de Parkinson e renal crônica.
A indústria da saúde está inundada com dados que
podem alimentar esses modelos computacionais, tornando as descobertas ainda
mais precisas. Mas, será que estamos rapidamente nos aproximando de um tempo em
que as máquinas estão tão confiantes em suas previsões, que nos induzem a
considerar que já temos determinada doença ou o que somos doentes de risco?
Esse estágio pode ser chamado de “proto-doença”.
A grande aposta no que diz respeito à possibilidade
de termos previsões bastante precisas está em seu potencial de permitir
intervenções que podem reduzir ou eliminar a probabilidade das doenças que
ainda estão por ocorrer, de fato ocorrerem. Infelizmente, a capacidade de
prever está avançando mais rapidamente do que a habilidade de prevenir. Imagine
que seu médico durante uma consulta diga que, segundo um programa de
computador, você desenvolverá diabetes mellitus nos próximos dois anos. Ele
prescreve uma série de conselhos sobre uma vida saudável (os quais você
provavelmente seguirá dado ao fato de ser uma advertência de um computador),
mas por outro lado, ele não tem muito mais do que isso para oferecer ou a
fazer. Pois, de fato, estudos que avaliaram a prevenção de diabetes com
medicamentos disponíveis não foram muito conclusivos. Isso significa que você,
sem dúvida, deixará o consultório bastante mal-humorado e com o fardo de ter
uma “proto-doença”.
Para complicar ainda mais a questão, pode não ser
seu médico a pessoa a revelar essa notícia a você. A extração de dados pode
também ser realizada pelas instituições que têm acesso às suas informações,
como por exemplo, sua seguradora de saúde. No melhor dos cenários, essas
operadoras de saúde utilizarão essas informações para ajudar a mantê-lo
saudável, mas, como observado anteriormente, as intervenções efetivas ainda não
estão completamente evoluídas.
No entanto, também podem existir aplicações com
outro tipo de finalidade e que não são tão positivas assim. Uma seguradora de
saúde pode, por exemplo, usar as informações a respeito dos riscos de saúde que
sua carteira de clientes apresenta para tirar vantagens comerciais, a favor dos
seus interesses e sem benefício nenhum dos usuários dos planos e seguros de
saúde. Afinal, conhecimento é sinônimo de poder – especialmente neste mercado.
Ou seja, essas empresas saberão antecipadamente e
de forma precisa quem em sua carteira desenvolverá alguma doença, e por
consequência, apresentará maiores custos. Esse tipo de informação trará a eles
uma vantagem incontestável nas negociações dos valores de seus contratos.
Em paralelo a isso, surgem também questões éticas,
morais e legais. Essa informação de que você desenvolverá uma doença deve ser
compartilhada pela seguradora de saúde – ou o que é mais adequado, pelo médico
- com o paciente? Caso isso não ocorra, pode ser considerado um tipo de
negligência?
O desafio em curto prazo é confirmar a precisão
destas previsões e encontrar formas de inseri-las no fluxo de trabalho dos já
sobrecarregados profissionais da saúde. As previsões serão preferencialmente
acompanhadas por informações baseadas em evidência que ajudam a orientar o
médico a respeito de qual ação tomar. As instituições de saúde já comprometidas
com a saúde da população, que inclusive organizam seus pacientes por grupos de
risco de acordo com a propensão por alguma doença, como por exemplo, diabetes,
podem incorporar mais essa informação para as suas ações. De certa forma, essa
evolução na disponibilidade de dados poderá inclusive levar a mudanças na
prevenção, com foco na “proto-doença” ou doentes em grupos de riscos.
Os avanços no sentido da aprendizagem por máquina e
na antecipação de doenças já estão bem encaminhados. É só uma questão de tempo
até que as previsões tenham se tornado um fator importante para determinar como
tratar cada um dos pacientes. O principal desafio será priorizarmos que
intervenções realmente eficazes acompanhem as previsões – ou não.
Peter Bonis, MD - CMO (Chief Medical Officer) de
Efetividade Clínica na Wolters Kluwer
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