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segunda-feira, 24 de março de 2014


GRAVIDEZ E PARTO: MULHERES BRASILEIRAS CONTINUAM MORRENDO SEM ATENDIMENTO

Doze anos depois, família de Alyne da Silva Pimentel será indenizada, mas baixa qualidade dos serviços mantém o Brasil na liderança das mortes maternas na América Latina

Nesta terça-feira, dia 25 de março, às 15h, na Secretaria de Direitos Humanos, em Brasília (DF), o Estado brasileiro cumprirá parte de seus compromissos perante o Comitê para Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra Mulheres (CEDAW/ONU) e fará o pagamento da reparação à mãe de Alyne, reconhecendo o direito a uma maternidade segura e sua responsabilidade pela morte de Alyne e, em consequência, pelos óbitos de centenas de outras mulheres por morte materna no país a cada ano. Mulheres brasileiras grávidas, especialmente as de renda mais baixa, continuam morrendo por falta de atendimento adequado na rede pública de saúde brasileira da mesma forma como aconteceu com Alyne da Silva Pimentel há mais de uma década.

“Diante do acordo firmado entre o governo do Brasil e o Comitê CEDAW, cabe perguntar: a morte de Alyne teria sido em vão? O que o Estado brasileiro está realmente fazendo para garantir que mais mulheres em idade reprodutiva, em particular as negras, pobres e que vivem longe dos grandes centros urbanos tenham acesso aos serviços de saúde de qualidade que garantam sua integridade durante a gravidez, parto e pós-parto?”, questionou Beatriz Galli, Relatora Nacional do Direito Humano a Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma Dhesca Brasil.

Em sua decisão final, o Comitê CEDAW/ONU fez recomendações firmes ao Estado brasileiro: garantir o direito das mulheres à maternidade segura e ao acesso à assistência médica emergencial adequada, proporcionar formação profissional adequada para os trabalhadores da área de saúde, especialmente sobre os direitos reprodutivos das mulheres e assegurar o acesso a medidas eficazes nos casos em que os direitos das mulheres à saúde reprodutiva tenham sido violados, que as instalações de assistência médica privada satisfaçam as normas nacionais e internacionais em saúde reprodutiva, que as sanções adequadas sejam impostas a profissionais de saúde que violem os direitos de saúde reprodutiva das mulheres além de reduzir as mortes maternas evitáveis implementando o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna nos níveis estadual e municipal.

“O caso de Alyne jogou luz sobre as violações sistemáticas dos direitos humanos fundamentais das mulheres que afetam desproporcionalmente as mulheres mais pobres e de minorias” disse Mónica Arango, diretora regional para a América Latina e o Caribe do Centro de Direitos Reprodutivos. “O Estado brasileiro está dando um passo importante ao reconhecer que o sistema de saúde falhou com a Alyne, mas deve agir rapidamente para que sejam pagas as reparações financeiras à filha de Alyne e para que sejam criadas políticas públicas que melhorem os serviços de saúde materna para todas as mulheres e uma vez por todas”, destacou. 

Porque elas morrem

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 800 mulheres morrem todos os dias em decorrência de complicações causadas pela gravidez em todo o mundo. Dados do DataSUS de 2012 mostram que, enquanto a redução na razão de mortalidade materna mundial foi de 3,6% por ano, no Brasil o ritmo de queda foi de apenas 0,6%. Isto situa o país atrás da meta a ser cumprida no quinto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Outras estatísticas também são alarmantes: um quarto de todas as mortes maternas da América Latina acontece no Brasil, 90% delas poderiam ser evitadas com cuidados no pré-natal. As principais causas da mortalidade materna são a hipertensão arterial, a hemorragia, as complicações decorrentes do aborto realizado em condições inseguras, a infecção pós-parto e as doenças do aparelho respiratório. O risco de morte materna está diretamente relacionado ao nível socioeconômico e os dados mostram que há discriminação racial e de gênero na assistência. Mulheres negras, pobres e que vivem nas regiões rurais e longe dos centros urbanos são as que mais morrem.

Caso Alyne

Há doze anos, a família de Alyne da Silva Pimentel espera por justiça. Ela foi vítima da falta de atendimento médico na rede pública e conveniada de saúde do Rio de Janeiro, em 2002. Mulher negra, com 28 anos, casada e grávida de seis meses do seu segundo filho, ela deu entrada sentindo náuseas, na Casa de Saúde N. S. da Glória, uma maternidade contratada pelo SUS do município de Belford Roxo como prestadora de serviços de atenção ao parto. Embora já naquele momento ela apresentasse sinais de gravidez de alto risco, recebeu alta e foi orientada a retornar para fazer exames adicionais, sendo medicada apenas com remédios para náuseas, cremes vaginais e vitaminas. Dois dias depois, Alyne voltaria à mesma clínica, já bastante debilitada e com vômitos. Na ultrassonografia, o veredito: o feto estava morto. Foi feita uma indução de parto e cinco horas depois veio à luz o natimorto. Somente 14 horas após o parto foi feita a cirurgia de curetagem para retirada de restos de placenta. Neste momento Alyne já tinha hemorragia extrema, vômito com sangue, pressão sanguínea baixa, desorientação prolongada e fraqueza física aguda com incapacidade para ingerir. Mesmo assim passaram-se oito horas sem cuidados adequados, antes que uma ambulância  removesse Alyne para o Hospital Geral de Nova Iguaçu (conhecido como Hospital da Posse), onde poderia receber uma transfusão de sangue, procedimento não disponível no hospital em que estava internada. Ela foi transportada sem a ficha médica e sua via crucis continuou na emergência do Hospital da Posse, já que não havia leito disponível. Alyne entrou em coma e morreu, cinco dias depois de procurar o primeiro atendimento médico.

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